A avaliação sensorial dos carros é estudada desde a década de 90, aplicando métodos adaptados para o setor automotivo, considerando as especificidades do setor, a complexidade do produto e a sua utilização dinâmica.

Tudo começa com o desenvolvimento do produto, que dura cerca de 3 anos. A avaliação sensorial dos carros é realizada nos estágios iniciais do processo de desenvolvimento, para identificar as necessidades e expectativas dos consumidores, e também nas etapas finais de validação e otimização das características dos protótipos.

Existem algumas diferenças muito importantes quando comparamos o setor automobilístico com o alimentício. O primeiro deles é a segurança, que é um requisito mandatório, depois vem a ergonomia e o design que estão fortemente relacionados à imagem da marca e podem evocar emoções, desempenhando um papel importante no processo de decisão de compra.

A avaliação sensorial dos carros, pode fornecer aos fabricantes, informações sobre as emoções e o design que está no imaginário dos consumidores.

É preciso levar em consideração que o carro é um produto muito complexo, com muitas peças e subsistemas (volantes, painel, assentos, motor, pedais, etc..), que garantem o seu correto funcionamento. Por isso, a avaliação sensorial pode ser feita para cada subsistema em separado. Como exemplo, temos alguns artigos publicados desta forma:

  • avaliação do som do motor, vibração do assento, odor no interior do carro;
  • avaliação sensorial dos materiais no interior do veículo (volantes, painel e assentos);
  • avaliação dos elementos do veículo (assentos, volantes, câmbio).

No entanto, o consumidor não avalia o carro por partes, mas como um todo. O ato de dirigir estimula todos os sentidos, desde as sensações cinestésicas como girar o volante ou pressionar os pedais, até o tato, com a vibração percebida no assento ou no volante. O tato também pode ser percebido até mesmo por partes do corpo menos sensíveis como as costas de parte de trás das pernas.

Para definir a metodologia para a avaliação sensorial dos carros, é preciso definir se a avaliação será realizada no carro como um todo ou apenas em partes dos seus subsistemas. O outro fator importante é decidir se a avaliação será no produto final ou em um protótipo.

Podem ser empregados, nos estágios iniciais, a avaliação de imagens para identificar a aceitação visual e emoções evocadas. No entanto, quando a percepção sensorial está relacionada com o ato de dirigir, por exemplo com o uso do volante, é necessária a realização de testes dinâmicos, realizados com o carro em movimento. 

Como a imagem da marca tem um forte impacto sobre o consumidor, esses testes geralmente são realizados às cegas, suprimindo as logomarcas. Em alguns casos, quando o design da marca é facilmente reconhecido, também é necessário adesivar o carro para dificultar a identificação.

O procedimento é muito diferente se o teste for realizado de forma estática ou dinâmica. A decisão depende dos objetivos da avaliação.

Com o carro em movimento, o avaliador percebe sensações vibro-acústicas e visuais que podem perturbar a percepção auditiva, vibrotátil ou alertas visuais. Nesses casos é necessário a aplicação do teste dinâmico, que deve ser realizado utilizando as mesmas pistas de tráfego para todos os avaliadores.

Condições de testes estáticos e dinâmicos

 

Quando o sistema a ser testado é pequeno pode ser realizado um teste estático em cabines. Nesses casos, a norma ISO 8589:2007 pode ser aplicada.

No entanto, quando o sistema é grande, o teste estático é executado em um show-room semelhante aos das concessionárias, onde a iluminação é controlada, os carros são estacionados e avaliados com o motor desligado. a, O ideal é que o avaliador visualize três quartos do carro e que todos os carros sejam posicionados à mesma distância do avaliador.

Nos testes dinâmicos, a pista experimental é escolhida para maximizar o impacto dos parâmetros do estudo. O grande desafio deste tipo de teste está em controlar  variáveis ambientais, como velocidade/direção do vento e ocorrência de chuvas.

Em uma pesquisa realizada por Astruc et al. (2008), foi desenvolvido um método com o objetivo de padronizar a avaliação hedônica acústica nas pistas, conforme ilustra a imagem abaixo. Fonte: Traduzido de Astruc et al., 2008 in: Non-food Sensory Practices. p.241. Disponível em: https://doi.org/10.1016/B978-0-12-821939-3.00015-4

As pistas foram definidas considerando o número de faixas/pistas por direção, velocidade máxima permitida e elementos que as caracterizam (semáforos, redutores de velocidade, rotatória…). Também foi considerada a superfície da pista, pois a vibração muda conforme o atrito provocado por diferentes materiais. 

O critério mais importante para definir o procedimento de teste sempre é a segurança do avaliador, por isso, muitas vezes, é feita a opção por uma pista de teste no lugar da  real. Em alguns casos, a pista de teste é mandatória se envolver alguma inovação no funcionamento do carro ou algo que possa perturbar a atenção do avaliador.

Simuladores eliminam a maior parte dessas dificuldades, além de padronizar o contexto no qual o avaliador vai dirigir. Também pode ser usado como um pré-teste para escolha da melhor pista experimental. No entanto, os simuladores podem não ser tão realistas prejudicando o teste, principalmente quando a vibroacústica é importante. O uso da tecnologia de realidade virtual pode contribuir para melhorar a performance dos simuladores.

Métodos para avaliação sensorial dos carros

 

O procedimento do teste deve ser o mais simples possível para não desviar a atenção do avaliador enquanto está dirigindo. Os testes discriminativos e monádicos podem ser aplicados. Podem ser realizadas avaliações descritivas ou hedônicas.

A aplicação do perfil descritivo tradicional é inviável devido ao tempo, custo e restrições logísticas. Por isso os testes descritivos rápidos são mais úteis, como o perfil Flash, Free Sorting and Napping.  O grande benefício desses métodos é dispensar a etapa de treinamento, desta forma é mais fácil e mais rápido recrutar os avaliadores, pois não precisam ser experts. Com estes métodos, em poucas sessões é possível obter o perfil sensorial descritivo do carro.

É importante avaliar as emoções e conceitos abstratos como: conforto percebido, qualidade percebida, estética, imagem da marca, entre outras.

Devido a alta imagem social e a desejabilidade do carro, esses vieses podem prejudicar a avaliação sensorial. Uma forma de reduzir esse viés é usar métodos “não verbais” que indicam indiretamente as emoções evocadas e as atitudes positivas ou negativas em relação ao produto.  Existem 3 famílias de medidas não-verbais, comportamental, fisiológica e neurológica.

Seleção e recrutamento dos avaliadores

 

Normalmente os experts são requeridos para avaliações descritivas e os avaliadores não treinados nas avaliações hedônicas, ainda que mais métodos descritivos rápidos estejam sendo aplicados com avaliadores não treinados e novos métodos estejam sendo desenvolvidos.

Os avaliadores não-treinados são aqueles que não foram treinados para a avaliação da categoria de produto, pelo menos nos últimos 3 anos, ou 2 meses em qualquer outra categoria. E não devem ter conhecimento do produto mais do que um consumidor comum, evitar funcionários, fornecedores ou jornalistas do setor. 

Para testes dinâmicos em pistas, o mínimo de habilidade de direção é requerido. O avaliador deve ter licença legal para dirigir há mais de 2 anos. Isso garante que o avaliador se sinta seguro o suficiente para dirigir, ao mesmo tempo em que avalia as sensações evocadas, lembrando que a segurança deve ser sempre a prioridade durante o teste.

A amostragem deve seguir o perfil do público-alvo do produto e com base no uso e hábitos de dirigir. Por exemplo, o usuário de carro Hatch não tem os mesmos requisitos de conforto que o usuário de carro Sedan ou SUV.

Para estudos sensoriais, a diversidade entre os avaliadores deve ser considerada, o que é mais desafiador para o recrutamento. Podem haver diferenças na acuidade visual, auditiva, olfativa ou até somestésica. O índice de massa corporal pode ser calculado antes de um teste sensorial porque tem influência na percepção tátil. Para minimizar a influência da diferença na acuidade olfativa, o pesquisador deve recrutar um número elevado de participantes, com variedade de idade e sexo.

Os especialistas são pessoas acostumadas a avaliar vários tipos diferentes de carros. Os pilotos de teste são responsáveis pela configuração e ajustes dos novos veículos, durante a condução na estrada. Embora obviamente utilizem medições físicas, grande parte do seu trabalho também depende da sua experiência sensorial, por exemplo, ao calibrar a suspensão de um veículo ou a curva de travagem de um pedal. Eles também podem ser especializados em um determinado produto ou serviço, por exemplo, ergonomistas especializados em assentos.

Embora os métodos aplicados para avaliação sensorial dos carros sigam os mesmos princípios dos demais produtos, existem vários pontos que devem ser observados por ser um produto complexo, de alto custo e que envolve questões de segurança. Isso demanda um planejamento detalhado que pode ser feito pela equipe da Sensory Design, que possui expertise na área de Ciência Sensorial e do Consumidor.

Queremos saber sua opinião sobre esse assunto. Anote aqui nos comentários ou agende um horário para conversar com a nossa equipe.

Por Dra. Elaine Berges

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REFERÊNCIA: 

Valérie Duthoit-Saint Georges. Anaïs Lemercier-Talbot.Sensory evaluation of cars. In:Non-food Sensory Practices. Delarue et al. Cap. 12.  Disponível em: https://doi.org/10.1016/B978-0-12-821939-3.00015-4