Desde o início da pandemia de Covid-19 as pessoas infectadas começaram a relatar a perda de acuidade sensorial, o que até certo ponto é compreensível já que esse é um sintoma recorrente nos resfriados comuns causados por infecção viral. A surpresa veio quando as pessoas infectadas começaram a relatar distorções na percepção sensorial e a não recuperação do olfato e/ou paladar com o decorrer do tempo.
Então surgiram as perguntas: A perda seria permanente? Por que ela acontece? Existe alguma forma de terapia eficaz? Isso poderia comprometer a participação de consumidores pós-infecção de SARS-CoV-2 (vírus que causa a Covid-19) na pesquisa sensorial ?
Preocupados com essas questões buscamos fontes confiáveis de informações e chegamos no Monell Center, que reúne cientistas de várias áreas do conhecimento e que trabalham juntos na compreensão dos mecanismos, fisiologia e funções do paladar e olfato, além da definição do significado que esses sentidos têm na nossa saúde e nas doenças humanas.
No site do Monell Center encontramos várias pesquisas que estão sendo realizadas no mundo relacionando a infecção por SARS-CoV-2 e a perda do olfato e paladar. Entre elas uma pesquisa publicada recentemente com dados coletados no Brasil.
Nesta pesquisa Neto et al. (2020) realizou um levantamento prospectivo com 655 pacientes com Covid-19 confirmados. Os pacientes foram contatados no Hospital das Clínicas em São Paulo, via internet ou telefone.
Para avaliar o déficit olfativo ou gustativo neste estudo foi utilizada uma escala de zero a 10 na qual zero (sem percepção) a 10 (percepção normal), ou seja pacientes com pontuação zero apresentavam anosmia (perda olfativa total) ou ageusia (perda gustativa total). O resumo dos dados coletados estão apresentados no infográfico.
Agora que sabemos que embora a ocorrência de perda do olfato e do paladar seja elevada, respectivamente 82,4% e 76,2% e que a perda permanente ocorre em menos de 5% dos pacientes infectados é hora de descobrir por que esta perda ocorre.
Normalmente a perda do olfato ocorre nos casos de infecção viral devido a congestão, no entanto este não é o caso da Covid-19 já que nos estudos realizados a perda sensorial parece ser um dos primeiros sintomas sendo até mesmo estudada pela sociedade médica como uma forma de diagnóstico precoce da doença.
Encontramos no Monell Center uma revisão sobre o assunto realizado pela Dra. Federica Genovese que classifica a disfunção olfativa pelas características físicas em:
- condutiva quando ocorre o bloqueio da passagem do epitélio impedindo que o estímulo (moléculas) atinja os receptores, o que normalmente ocorre na gripe ou resfriado comum, ou;
- não-condutiva (ou senso-neural) quando ocorrem danos no epitélio olfatório interferindo nos sinais de transdução do receptor, o que pode acontecer devido a trauma na cabeça, infecção viral ou exposição a substâncias tóxicas.
Não se sabe exatamente qual a fisiopatologia por trás disso, mas existem duas teorias:
-Degeneração e danos do epitélio olfatório com consequente perda olfatória e;
-Danos ao sistema nervoso central nas áreas do cérebro que fazem o processamento da informação olfatória, causando a perda do olfato.
Sabemos que o SARS-CoV-2 pode interagir com o corpo humano em diferentes receptores (ACE2) no entanto é preciso de um cofator chamado de TMPRRSS2 para que possa infectar a célula. Então a pergunta é…
Células neuro sensoriais do sistema olfatório possuem o cofator necessário para serem infectadas por SARS-Cov-2?
Em estudo recente foi analisada a sequência de RNA do epitélio olfatório e não foram encontradas essas moléculas (Brann et. al, 2020). No entanto nas células de sustentação do epitélio olfatório essas moléculas estavam presentes. Este tipo de célula é muito importante porque mantém a homeostase da célula mantendo-as saudáveis, assim quando danificadas ou degeneradas podem causar a perda do olfato.
Esse estudo sugere um possível caminho pelo qual o SARS-Cov-2 pode afetar o sistema olfatório mas obviamente não é o único que pode justificar a perda olfativa, existem outros caminhos a serem considerados e para encontrá-los os pesquisadores nesta área estão reavaliando as pesquisas já realizadas com os outros tipos de coronavírus e como eles afetam o epitélio olfatório.
Resta saber então….existe algum tipo de terapia efetiva para recuperação?
De acordo com a Dra. Federica Genovese não se sabe de uma terapia efetiva nesta recuperação, mas temos uma promissora que é o “Smell Training” (associado com uso de corticoide via nasal). Neste caso o estudo foi realizado por 12 semanas com um grupo controle e pacientes com disfunção olfativa. Ambos os grupos tinham que cheirar quatros diferentes óleos essenciais (rosa, limão, eucalipto, alho) duas vezes ao dia. O paciente deveria tentar identificar qualquer nota possível ou tentar lembrar desses cheiros. Neste estudo feito com 56 pacientes 27,8 % apresentaram melhora olfativa. Esse estudo foi repetido por outros pesquisadores que também observaram melhora com o tratamento.
Diante desta nova realidade, para a realização de pesquisas com consumidores é importante considerar no protocolo de recrutamento a triagem dessas disfunções olfativas e gustativas causadas pós-infecção por SARS-CoV-2.
Fontes:
Monell Center http://www.monell.org/covid19-resources
Neto et. al . Chemosensory Dysfunction in COVID-19: Prevalences, Recovery Rates, and Clinical Associations on a Large Brazilian Sample. https://doi.org/10.1177%2F0194599820954825
Brann et. al. Non-neural expression. Of SAR-CoV-2 entry genes in the olfactory epithelium suggests mechanisms underlying anosmia in COVID-19 patients. https://doi.org/10.1101/2020.03.25.009084