Você já ouviu falar em “tempero sônico” ou “sonic seasoning”? 

 

Esse é o termo usado por Charles Spence, pesquisador responsável pelo Laboratório de Pesquisa Crossmodal da Universidade de Oxford para explicar o efeito do som na experiência sensorial que vivenciamos ao consumir um produto.

Em um artigo recente publicado por Spence (2021), ele cita que composições específicas de música ou paisagens sonoras pré-compostas ou sob medida, podem ser utilizadas para trazer aspectos específicos no sabor do café, como: doçura ou amargor e aroma/sabor de: nozes, chocolate escuro, notas de frutas secas, entre outras funcionando como uma espécie de “tempero sônico”.

Além da qualidade intrínseca, inerentes ao produto em si, os fatores extrínsecos também podem influenciar na experiência sensorial. 

 

Pesquisas mostram que tudo que compõe a atmosfera multisensorial tem influência na experiência com o produto. Desde o som e os aromas da preparação; as vozes e ruídos no ambiente; a decoração e a iluminação; o material das mesas e cadeiras; a embalagem e até o utensílio utilizado no consumo.

Vários autores descrevem que o ruído de fundo pode exercer um impacto importante sobre nossas habilidades de percepção e reconhecimento do estímulo, mascarando nossa capacidade de perceber certos gostos como: o doce e salgado e ao mesmo tempo, aumentando nossa capacidade de perceber outros como: o umami.

A compreensão de que muitos fatores extrínsecos podem influenciar a experiência de degustação multissensorial levou a um aumento no números de pesquisas nas quais as várias pistas ambientais são especialmente projetadas para combinar e/ou para melhorar uma dada qualidade de sabor, incluindo as paisagens sonoras atmosféricas (Spence, 2021).

As paisagens sonoras atmosféricas são os  sons gravados, por exemplo, nos vinhedos para serem ouvidas enquanto se faz a degustação do vinho feito a partir das uvas que foram colhidas no local. 

As paisagens sonoras podem ajudar a chamar a atenção para as origens naturais do produto, enfatizar as noções de terroir, como em produtos como: chocolate, vinhos e café. O mesmo conceito pode ser aplicado ao som do mar para melhorar a experiência sensorial no consumo de frutos do mar.

Em um estudo recente realizado com amostras de café arábica, ouvir música de fundo alto (85 dBA) reduziu uma gama de atributos desejáveis na bebida, sendo especialmente perceptível para classificações do amargo e da intensidade do aroma, além de resultar em uma menor disposição para pagar (Bravo-Moncauou et al, 2020).

Ao mesmo tempo, pesquisas recentes também mostram que ouvir a música apropriada, em vez de ruído, pode ajudar a melhorar a experiência de degustação multissensorial. Esta é a área que está sendo citada como “tempero sônico”.

 

O mundialmente famoso chef Heston Blumenthal do restaurante “The Fat Duckno Reino Unido  descreveu o som como o “sentido de sabor esquecido” e disse que considera o som como Um ingrediente disponível para o chef.” Outros chefs com visão de futuro, entretanto, chegaram ao ponto de incluir uma recomendação musical para cada uma das receitas em seus livros de receitas (Spence et al, 2011).

E o efeito do “tempero sônico” não para por aí, existem estudos que sugerem que a emoção evocada por ouvir música pode influenciar como nós temperamos um prato ou preparamos uma bebida. 

Pesquisadores demonstraram que ouvir peças pré-gravadas especialmente escolhidas da música clássica (associadas a um sabor doce, ou azedo) influenciou no equilíbrio doce-azedo quando os participantes foram encarregados de fazer uma bebida bem equilibrada a partir de uma gama de ingredientes doces e azedos para se misturarem  (Kontukoski et al, 2015). 

Pesquisas recentes conseguiram replicar com sucesso a pesquisa iniciada por Holt-Hansen realizada em 1968 que descobriu que ao combinar o tom (musical) com o sabor ou gosto pode-se realmente melhorar o prazer subjetivo da experiência de degustação. Essas pesquisas revelaram que quanto menor o tom, mais amargo o som.

Lembrando que sons graves, ou baixos, são aqueles que estão na faixa de baixa frequência, enquanto que sons agudos, ou altos, são aqueles que possuem suas ondas com uma frequência de vibração alta.

Grande parte desses experimento foram realizados com alimentos agridoces, chocolates, cervejas, café e vinhos, além de sorvetes no quais ao mudar o que as pessoas estavam ouvindo também influenciou diretamente na resposta sensorial e hedônica dos consumidores.

Em um dos primeiros estudos de tempero sônico, Crisinel et al. (2012) demonstraram que um toffee agridoce poderia ser temperado sonicamente para ser avaliado como um pouco mais doce ou mais amargo. 

Estudos mais recentes da mesma autora revelaram que os sabores azedo e doce são preferencialmente associados a sons agudos e existem algumas evidências de uma associação amargo-grave e umami-grave.

O café Xin em Pequim tocou música aguda (música doce) para aumentar a percepção de gosto doce e assim reduzir o teor de açúcar nas bebidas quentes servidas aos seus clientes. Uma ideia muito interessante para produtos com apelo de saudabilidade e/ou redução de açúcar.

Assim a manipulação sônica mais apropriada depende do atributo sensorial que se deseja ressaltar para cada produto para oferecer a melhor experiência sensorial ao consumidor.

E você? Já experimentou os “temperos sônicos” ? Escreva aqui nos comentários ou em nossas redes sociais e marque um amigo que se interesse pelo assunto.

Por Dra. Elaine Berges da Silva

REFERÊNCIA:

Spence, Charles. Sonic Seasoning and Other Multisensory Influences on the Coffee Drinking Experience. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fcomp.2021.644054