A maioria das pessoas nunca ouviu falar em “kokumi” mas com certeza já perceberam a diferença que a preparação culinária faz no sabor de alguns alimentos como o que acontece no cozimento prolongado de um ensopado ou fundo de carne ou legumes. Mas qual o segredo por trás desse sabor tão especial?  

O que existe de comum entre esses alimentos? 

Segundo pesquisas recentes é o “kokumi” que torna essas preparações sensorialmente tão boas.

O sabor desses alimentos não pode ser explicado apenas pelos gostos básicos, somado ao aroma e às sensações de preenchimento na boca, resultado em um sabor rico e encorpado, os quais são o resultado percebidos nessas preparações.

Daí vem o significado da palavra “kokumi”, que vem do japonês e que se traduz em uma sensação de riqueza, corpo e complexidade comparada àquelas percebidas nos vinhos e queijos maturados e que só melhoram com o tempo.

Assim como acontece para o “umami” (ouça o Sensory Cast sobre Fisiologia Sensorial e os Gostos Básicos com Hellen Malluly) as substâncias “kokumi” não tem um sabor próprio (são levemente adstringentes em solução aquosas) mas fazem com que os alimentos tenham um sabor e uma sensação melhor na boca, realçando os gostos doces e salgados. 

As pesquisas para se identificar essas substâncias “kokumi” começaram pelo extrato de alho. Ueda et al. (1990; 1997) demonstraram que vários compostos contendo enxofre, identificados como sulfóxido de s-allyl-cisteine (alliin) e glutationa (GSH, γ-Glu-Cys-Gly), foram responsáveis por esse efeito sensorial.

Os peptídeos γ-glutamil são amplamente encontrados em bactérias, plantas e mamíferos, uma vez que são produtos ou subprodutos do ciclo da glutationa (GSH) e várias enzimas metabólicas estão envolvidos na síntese de peptídeos γ-glutamil no organismo. Os peptídeos γ-glutamil são encontrados em vários alimentos que incluem legumes comestíveis, alho, cebola  e alimentos fermentados como queijo, molho de soja, peixe fermentado e extrato de levedura.

Dez dipeptídeos γ-glutamil de feijões comestíveis, queijo, extrato de levedura, e/ ou  biossíntese são considerados moléculas ativas de kokumi com limiar de detecção que varia de 2,8–1420 μmol / L nos alimentos conforme descrito por Yang et al (2019).

Mas como essas substâncias são reconhecidas? Existem receptores específicos para as substâncias “kokumi”? 

Essas questões foram estudadas na pesquisa realizada por Kuroda & Miyamura (2015) que identificaram que os receptores de detecção de cálcio estão envolvidos na percepção das substâncias “kokumi” na boca e que  o peptídeo γ-Glu-Cys-Gly (glutationa) prolongou a percepção do sabor, do corpo e do preenchimento na boca quando adicionado à sopa de frango e creme reduzido em gordura. 

No entanto o mecanismo para percepção do “kokumi” não é simplesmente gerado pela a ativação do CaSR por meio das substâncias gustativas “kokumi” pois  são percebidas apenas quando as substâncias ativas “kokumi” são adicionadas a uma solução contendo dois ou três tipos de substâncias gustativas básicas (Yang et al, 2019).

Segundo esses mesmos autores o peptídeo quando adicionado a uma solução com 3,3% de sacarose, 0,9% de sal e 0,5% de glutamato monossódico aumentou a percepção, respectivamente, dos gostos doce, salgado e umami. 

 

Em 2010 o grupo Ajinomoto identificou vários dos chamados peptídeos gama-glutamil que ativam os receptores de cálcio na língua e o mais poderoso, segundo a empresa, é o gama-glutamil-valil-glicina ou γ-EVG que em estudos controlados intensificou os gostos salgado e doce em pelo menos 10 vezes mais que a glutationa além ser altamente estável.

Essas descobertas abrem uma vasta área para aplicação das substâncias “kokumi” em especial em produtos reduzidos em sódio, açúcar e gordura. Miyamura et al (2015) realizaram um estudo com manteiga de amendoim reduzido em gordura e adicionado do peptídeo γ-Glu-Cys-Gly e concluíram que houve um aumento significativo do sabor encorpado, aftertaste e oleosidade, sugerindo que a sua aplicação pode melhorar o sabor dos alimentos reduzidos em gordura.

As propriedades sensoriais de caldos que continham seis diferentes realçadores de sabor (cloreto de sódio, glutamato monossódico e inosinato de sódio)  e substâncias “kokumi” (extrato de levedura “kokumi” e glutationa), foram avaliadas isoladas e em combinação por Tang et al (2020) e concluíram que os realçadores de sabor e as substâncias “kokumi” podem promover o sabor, sensação de preenchimento na boca e qualidades sensoriais temporais de alimentos de baixa caloria e podem ser usados ​​para aumentar as propriedades de saciedade esperadas.

Esse aumento da saciedade ocorre devido às associações que o avaliador faz com as pistas sensoriais e a sensação de plenitude, por exemplo, a sensação de preenchimento na boca e sabor mais encorpado está associado a alimentos que dão maior saciedade como as sopas cremosas em comparação com as sopas mais líquidas.

Além do enorme potencial como realçador de sabor estudos apontam que os peptídeos  γ-glutamil também podem auxiliar no tratamento da inflamação intestinal pela ativação alostérica positiva no receptor sensível ao cálcio. As futuras áreas de pesquisa incluem uma investigação mais aprofundada da fisiologia sensorial, triagem de enzimas microbianas para síntese e propriedades funcionais e metabólicas dessas substâncias.

Você já tinha ouvido falar em “kokumi”? Conhecia todo o potencial de aplicação como realçador de sabor em alimentos doces e salgados? Escreva aqui nos comentários ou em nossas redes sociais e marque um amigo que se interesse pelo assunto.

Por Dra. Elaine Berges da Silva

REFERÊNCIAS:

Kuroda e Miyamura. Mechanism of the perception of “kokumi” substances and the sensory characteristics of the “kokumi” peptide, γ-Glu-Val-Gly. 2015. Disponível em: Mecanismo da percepção das substâncias ” kokumi ” e as características sensoriais do peptídeo ” kokumi “, γ-Glu-Val-Gly | | de sabor Texto completo (biomedcentral.com)

Tang et al. Savoury and kokumi enhancement increases perceived calories and expectations of fullness in equicaloric beef broth. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.foodqual.2020.103897

Yang et al. Gamma glutamyl peptides: The food source, enzymatic synthesis, kokumiactive and the potential functional properties – A review. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.tifs.2019.07.022

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