De acordo com a pesquisa brasileira que apresentamos no nosso blogpost sobre Perda Sensorial a perda de olfato em pessoas com COVID-19 é de 82,4%. Embora ainda não exista uma terapia efetiva para a recuperação olfativa existem vários estudos que pontam o “Smell Training” como uma terapia promissora.

O “Smell Training” é uma técnica de suporte utilizada para pessoas que tiveram perda de olfato após uma infecção viral, lesão ou traumatismo crânio-encefálico. Podemos pensar nesse treinamento olfativo como uma “fisioterapia” para o olfato, não é uma cura, mas sim uma forma de acelerar a recuperação.  

Nossa preocupação com a perda olfativa é recente devido a visibilidade que a pandemia de COVID-19 trouxe para esse problema, mas essa disfunção já era estudada por especialistas na área há muito tempo.  

De acordo com a Dra. Federica Genovese do Monell Center a perda de olfato é apenas um sintoma que se enquadra em uma categoria mais ampla de disfunções olfativas. Aproximadamente 23% de todas as perdas olfativas são causadas por infecções do trato respiratório superior conforme dados coletados em vários centros nos Estados Unidos. 

Mas como funciona o “Smell Training”? 

Smell training como o próprio nome diz, é um treinamento olfativo e para entender como ele funciona precisamos primeiro entender o funcionamento do sentido do olfato. 

Você já sentiu um cheiro de bolo saindo do forno e lembrou de uma pessoa querida? Sua mãe, avó ou tia?

Isso acontece porque o bolo libera moléculas voláteis que entram pelo seu nariz e atingem os receptores presentes na sua cavidade nasal. A percepção consciente acontece quando os neurônios enviam mensagens para o seu cérebro permitindo a discriminação dessas moléculas e as interpretam como cheiros conhecidos, além de ativar componentes afetivos armazenados na sua memória olfativa. Isso tudo te faz lembrar de alguém que preparava esse bolo para você, mesmo que isso tenha acontecido na sua infância há muito tempo atrás.  

Nosso olfato também afeta nossa capacidade de apreciar a comida ou bebida, pois esses componentes voláteis também atingem a cavidade nasal através da boca, durante a mastigação.

A perda do olfato pode afetar a forma como interagimos com o mundo. Pode funcionar como o sinal de alerta em situações de perigo e pode nos trazer a sensação de conforto em momentos familiares. Desta forma a perda do olfato pode influenciar em nossos relacionamentos pessoais e profissionais. Existem estudos mostrando que muitas pessoas com perda do olfato enfrentam problemas emocionais e de isolamento social, apontando para a importância das terapias de recuperação da perda olfativa.

Para a realização do treinamento olfativo (smell training) é necessário um kit montado com óleos essenciais de rosa, limão, cravo e eucalipto, mas podem ser utilizados outros óleos. De acordo com a descrição do abScent, que é uma organização formada por cientistas e pacientes com distúrbios de olfato , para montagem do kit são pingadas gotas do óleo essencial em um disco de aquarela (watercolor) e mantidas dentro de um frasco fechado. Duas vezes ao dia, logo após acordar e antes de dormir, o paciente deve aspirar por 20 segundos os frascos procurando identificar o cheiro de cada um deles. Esse procedimento é repetido por algumas vezes antes de passar para o próximo.

A realização do procedimento é muito simples mas como ele pode contribuir para a recuperação olfativa?

A resposta está no nosso cérebro. Ao contrário do que se acreditou por muito tempo, o cérebro adulto exibe um grau impressionante de plasticidade neural, que é a capacidade do cérebro desenvolver novas conexões sinápticas entres os neurônios a partir da experiência e do comportamento do indivíduo. 

Nas últimas duas décadas, vários estudos destacaram que adquirir e dominar habilidades, por meio de um intensivo treinamento ao longo da vida (ou seja, se tornar um especialista em um determinado assunto) ou realizar um treinamento de curto prazo (como a participação em uma pesquisa ou estudo) estão associados a modificações funcionais e anatômicas nas áreas cerebrais correspondentes.

Isso ocorre nas várias áreas do conhecimento, inclusive com os especialistas olfativos como perfumistas e sommeliers, que têm as áreas de processamento olfativo mais densas em comparação com indivíduos não treinados. 

Esses estudos sugerem que o treinamento olfativo contínuo e a experiência levam a reorganização funcional e estrutural das áreas cerebrais olfativas de especialistas em odores. Em indivíduos não especialistas com olfato normal, um treinamento olfativo de curto prazo melhora o desempenho olfativo e a exposição repetida a um odor aumenta o limiar de detecção.

Em um estudo realizado por Syrina Al Aïn e colaboradores (2019), pacientes saudáveis realizaram um treinamento olfativo intensivo e controlado durante 6 semanas e a plasticidade do cérebro foi investigada utilizando imagens de ressonância magnética. Essa pesquisa mostrou que o treinamento olfativo intensivo pode melhorar a função olfatória e  está associada a mudanças na estrutura das áreas do processamento olfatório no cérebro. 

Existem vários outros estudos realizados com indivíduos com disfunções olfativas indicando uma ligação entre a função olfatória e as medidas neuro-anatômicas, nas quais a melhora na função olfatória está relacionada ao aumento na espessura e na densidade do córtex nas áreas de processamento olfatório e outras regiões do cérebro. 

Podemos concluir que existem evidências científicas relevantes que apontem o treinamento olfativo (smell training) como uma terapia realmente promissora na recuperação da perda olfativa e que pode ser a esperança para as milhares de pessoas afetadas pela pandemia de Covid-19.

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Fontes:

abScent https://abscent.org/

Monell Center http://www.monell.org/covid19-resources

Syrina Al Aïn et al. Smell training improves olfactory function and alters brain structure. https://doi.org/10.1016/j.neuroimage.2019.01.008